INTRODUÇÃO
A finalidade do ensino, em geral, é fazer com que todos os alunos aprendam. A pesquisa realizada nas últimas décadas, no âmbito da avaliação das aprendizagens, tem evidenciado que as práticas de avaliação formativa contribuem para que os discentes aprendam mais e melhor (Black & William, 1998; Fernandes, 2019; Ferreira & Folgado, 2023; Pedrosa et al., 2023). Contudo, Fialho (2021, p. 11) alerta que “para melhorar as aprendizagens e os resultados dos alunos é preciso (re)aprender a avaliar aprendizagens”.
Fernandes (2019) refere que a falta de clarificação entre os conceitos de avaliação formativa e avaliação sumativa e avaliação interna e externa, por parte dos intervenientes no processo educativo, pode explicar as comprovadas dificuldades de implementar práticas de avaliação formativa na sala de aula. Assim, nosso intuito foi compreender as conceções de professores de todas as disciplinas numa turma do 6º ano de escolaridade português sobre os conceitos e as práticas de avaliação das e para as aprendizagens. Daí termos colocado as seguintes questões de investigação: quais as conceções de professores do 6º ano de escolaridade português sobre os conceitos de avaliação das e para as aprendizagens dos alunos? Que caraterísticas das práticas de avaliação das e para as aprendizagens são referidas pelos mesmos professores? O objetivo central do estudo consistiu em entender as conceções de professores do 6º ano sobre os conceitos e as práticas de avaliação das e para as aprendizagens.
Para respondermos às questões de investigação e cumprirmos o objetivo delimitado, considerámos adequada a opção pelo estudo exploratório de caso, concretizado por entrevista semiestruturada a nove professores de todas as disciplinas de uma turma do 6º ano de escolaridade português.
Assim, iniciamos o presente texto com a concetualização teórica do conceito e das finalidades da avaliação das aprendizagens, seguindo-se as caraterísticas da prática dessa avaliação. Ainda do ponto de vista teórico, abordamos, a seguir, o conceito e as finalidades da avaliação para as aprendizagens e as caraterísticas de sua prática. No ponto seguinte, descrevemos as opções metodológicas da investigação e, por fim, apresentamos e discutimos os resultados obtidos por categorias que emergiram da análise de conteúdo efetuada.
CONCEITO E FINALIDADE DA AVALIAÇÃO DAS APRENDIZAGENS
A designação avaliação das aprendizagens “refere-se a um balanço, a um ponto de situação que se faz, acerca do que, num dado momento, os alunos sabem e são capazes de fazer” (Fernandes, 2019, p. 150). Trata-se, por isso, de uma avaliação de natureza sumativa, cuja prática não está integrada nos processos de ensino e de aprendizagem, por ser realizada em momentos finais daquele processo (Cosme et al., 2020; Ferreira, 2020). Nela, “as evidências são usadas para inventariar as aquisições dos estudantes num certo momento da sua aprendizagem . . . e tomar decisões em conformidade com o estalecido administrativamente” (Santos & Pinto, 2018, p. 508). Ou seja, medem-se os resultados de aprendizagem dos alunos em função de critérios normativos e são atribuídas classificações numa escala oficialmente adotada.
A avaliação das aprendizagens “é, por natureza, pontual e os dados que proporciona podem ou não ser mobilizados para classificar alunos” (Fernandes, 2019, p. 151). Como afirma Trevisan (2024, p. 6), “A avaliação somativa reúne informações sobre o que os alunos sabem em um dado momento, proporcionando informações sintetizadas que se destinam a registrar e a tornar público o que foi aprendido”. Por esse motivo, os resultados de uma única avaliação não devem ser considerados como um reflexo completo do conhecimento e das competências de um aluno, uma vez que podem ser influenciados por variáveis externas, como a preparação prévia, o estado emocional no momento da avaliação e até mesmo a metodologia de ensino utilizada (Ferreira, 2007; Merle, 1996). Portanto, a avaliação pontual, por si só, não é suficiente para classificar de maneira justa e precisa os alunos (Ismail et al., 2022).
Apesar disso, a avaliação das aprendizagens é um processo fundamental no âmbito da educação escolar, porque exerce um papel crucial na medição do desempenho dos alunos em relação às metas ou aos objetivos de aprendizagem estabelecidos, isto é, às aprendizagens que se espera que os alunos realizem numa determinada disciplina num ano de escolaridade ou nível de ensino (Ferreira, 2007; Santos & Pinto, 2018). A sua importância explica-se por fornecer informações aos professores, aos próprios alunos, aos encarregados de educação e ao sistema educativo em geral acerca do que os estudantes aprenderam no final do processo de ensino e de aprendizagem, em comparação com essas metas ou objetivos de aprendizagem estabelecidos (Ferreira & Folgado, 2023), permitindo a decisão de aprovação ou de reprovação do aluno.
A PRÁTICA DA AVALIAÇÃO DAS APRENDIZAGENS
Sendo a avaliação das aprendizagens tradicionalmente normativa e de responsabilidade do professor, pressupõe-se a comparação dos resultados dos alunos entre si para que se possam atribuir classificações e decidir, através delas, níveis de aprovação ou de reprovação dos diversos alunos (Ferreira, 2007). Trata-se de uma prática concretizada, sobretudo, por testes e exames escritos que vão possibilitar medir aquilo que os alunos aprenderam em face das aprendizagens oficialmente determinadas para uma disciplina de um ano de escolaridade específico (Neves & Ferreira, 2015). Porém, como salienta Fernandes (2022), à avaliação sumativa pode ser atribuída uma dimensão formativa, caso seja dado pelo professor feedback aos alunos e se desencadeie a regulação das suas aprendizagens.
No contexto de políticas neoliberais de eficácia da educação escolar, de responsabilização e de prestação de contas por parte das escolas e de seus professores pelo serviço educativo prestado, é através da avaliação dos resultados de aprendizagem dos alunos que essa finalidade se concretiza e se infere sobre a qualidade da educação promovida. Desse modo, também é pelos resultados de aprendizagem medidos no contexto da avaliação sumativa que é feita a diferenciação na atribuição de recompensas às escolas e aos respetivos professores (Pacheco, 2012; Teodoro, 2022). Também é através dos resultados de aprendizagem dos alunos em exames padronizados e de outras métricas que se averiguam a qualidade e o sucesso do serviço educativo concretizado pelas escolas (Pacheco, 2012; Sousa, 2012). Portanto, o processo de avaliação é fundamentalmente orientado para a classificação e certificação das aprendizagens, desempenhando, ao mesmo tempo, um papel no estabelecimento de padrões de excelência que servem de base para a promoção da competição entre as escolas pelos rankings definidos em função das notas da avaliação sumativa externa e que são tornados públicos.
CONCEITO E FINALIDADES DA AVALIAÇÃO PARA AS APRENDIZAGENS
O termo avaliação para as aprendizagens surgiu, pela primeira vez, com Stiggins (2005), no seu artigo “From formative assessment to assessment for learning: A path to success in standards-based schools”. O autor definia-o como um processo contínuo que ocorre durante o ensino e a aprendizagem e que visa à melhoria da aprendizagem dos alunos, com sua participação nesse processo avaliativo. Enquanto a avaliação formativa é uma parte integral dessa abordagem (Ferreira & Folgado, 2023), a avaliação para as aprendizagens inclui a informação dos critérios e padrões de desempenho de uma dada tarefa de aprendizagem aos alunos, o feedback, a autoavaliação e a autorregulação das aprendizagens (Fernandes, 2022; Ferreira & Folgado, 2023; Sanmartí, 2007). Participando os alunos na avaliação e na regulação de seus processos de aprendizagem, a avaliação para as aprendizagens capacita-os a refletir sobre sua própria aprendizagem, em função dos critérios de avaliação estabelecidos para diversas tarefas (Pinto, 2019), a envolver-se em procedimentos e estratégias de melhoraria (Trevisan, 2024), o que possibilita sua autonomia e responsabilização nessa aprendizagem (Fernandes, 2022; Stiggins, 2005).
Ferreira (2020, p. 339) afirma que a avaliação para as aprendizagens é contínua, “por isso, realizada durante o processo de ensino e de aprendizagem, visando o acompanhamento e a regulação desse processo”. Sendo as tarefas de aprendizagem o elemento estruturante do processo de ensino e de aprendizagem (Lopez, 2015), os alunos executam-nas ativamente, podendo estas incluir a escolha de tópicos, a definição de metas de aprendizagem, a resolução de problemas e a procura por recursos alternativos (Ismail et al., 2022).
O conceito de avaliação para as aprendizagens apresenta uma abordagem holística caracterizada por dez princípios fundamentais que, segundo Cid e Fialho (2013, p. 3), formam um quadro de referência para essa avaliação: 1) é integrada na planificação; 2) preocupa-se com a forma como os alunos aprendem; 3) é uma prática central em sala de aula; 4) é uma competência profissional essencial ao professor; 5) é sensível e construtiva; 6) é motivadora; 7) facilita a compreensão de objetivos e de critérios; 8) ajuda os alunos a saber como melhorar; 9) desenvolve a capacidade de autoavaliação; e 10) reconhece todas as aprendizagens.
Trata-se, assim, de uma avaliação que tem por principal função monitorizar o progresso dos alunos e tomar medidas para modificar o ensino de modo a promover as aprendizagens (Sanmartí, 2007; Santos, 2017; Trevisan, 2024). É um processo sistemático e intencional de recolha de informações acerca das aprendizagens que estão a ser realizadas pelos alunos e por eles participada e analisada pela comparação com os critérios de avaliação delimitados (Ferreira & Folgado, 2023; Pinto, 2019). “A análise da informação recolhida permite distribuir feedback aos alunos, para que eles possam regular e autorregular as suas aprendizagens” (Fernandes, 2020, p. 10). Nessa monitorização contínua do progresso de aprendizagem dos alunos, Fernandes (2020) e Ferreira (2020) indicam três funções específicas da avaliação formativa ou avaliação para as aprendizagens: a função de informação, a de feedback e a de regulação do processo de ensino e de aprendizagem. Sobre sua função informativa, ela proporciona dados ao professor sobre sua intervenção pedagógica e ao aluno sobre sua aprendizagem, permitindo consciencializar-se do que já aprendeu, das suas dificuldades e de como as superar (Fernandes, 2022; Ferreira & Folgado, 2023).
O feedback de qualidade é uma das funções fundamentais da avaliação para as aprendizagens (Fernandes, 2019, 2022; Ferreira, 2020), pois, através dele, os alunos obtêm, atempadamente, informações orais ou escritas sobre as aprendizagens que estão a conseguir fazer, sobre o que precisam melhorar e como o poderão fazer (Ferreira, 2020; Hattie & Clarke, 2019). O feedback possibilita aos discentes a autorregulação de seu processo de aprendizagem, resultando num aumento do nível de envolvimento, por meio de processos mais eficazes de autorregulação (Hattie & Clarke, 2019). É através do feedback que o professor pode comunicar aos alunos em que situação se encontram, onde têm de chegar e o que têm de fazer para aprenderem o que está previsto, isto é, os esforços e processos que têm de fazer para chegarem onde se pretende que cheguem (Fernandes, 2020).
Machado (2021, p. 6) afirma que, para se implementar um sistema de feedback, é preciso considerar três componentes distintos dele: o feed up, no qual os alunos são informados dos objetivos de aprendizagem e dos critérios de avaliação da tarefa em que se vão envolver, permitindo-lhes planificar sua realização; o feedback, que consiste na informação que recebem do professor sobre o que aprenderam, o que precisam melhorar na aprendizagem e como o fazer, pelo que se torna na forma mais comum de regulação das aprendizagens; e o feed forward, apesar de nem sempre ocorrer, que consiste na utilização da informação obtida com o feedback para preparar e planificar atividades de ensino e de aprendizagem seguintes que permitam aos alunos realizarem mais e melhores aprendizagens.
A função de regulação do processo de ensino e de aprendizagem é voltada para aprimorar o ensino e a aprendizagem de maneira contínua, criando um ambiente dinâmico de desenvolvimento (Pedrosa et al., 2023; Trevisan, 2024). Esta decorre da contínua avaliação do progresso dos alunos e da adequação do ensino, o que significa que a educação não é vista como um processo estático, mas como um caminho de aprendizagem em constante evolução (Darling-Hammond et al., 2020), com reflexos na melhora contínua do processo de ensino e das aprendizagens dos alunos (Trevisan, 2024).
Os procedimentos de autoavaliação e de autorregulação do aluno, para além de garantirem que a regulação tenha os efeitos desejáveis, são preponderantes e fundamentais para o professor, pois disponibilizam indicações para o ensino, para a orientação dos trabalhos dos alunos e para a verificação de quais necessitam mais do seu apoio (Fernandes, 2022). Além disso, a avaliação por pares é outra estratégia importante, na qual os alunos fornecem feedback uns aos outros sobre o trabalho realizado. Isso não apenas ajuda a melhorar a compreensão do material, mas também desenvolve aptidões de pensamento crítico e comunicação (Double et al., 2020).
A PRÁTICA DA AVALIAÇÃO PARA AS APRENDIZAGENS
A prática da avaliação para as aprendizagens pressupõe que o processo de ensino e de aprendizagem seja estruturado por tarefas a serem realizadas pelos alunos, para as quais são delimitados critérios de avaliação que têm de ser do conhecimento dos alunos (Fernandes, 2019, 2022; Ferreira, 2020). Trata-se de uma prática avaliativa “marcada pela diversidade de ações, necessariamente assentes num conhecimento profundo de cada aluno” (Santos, 2020, p. 4), para que as referidas tarefas se adequem aos seus diferentes interesses e necessidades. Assim, a avaliação para as aprendizagens é uma parte indissociável da diferenciação pedagógica, uma vez que “não existe avaliação para as aprendizagens sem diferenciação pedagógica” (Santos, 2020, p. 7).
Nesse sentido, Santos (2020, p. 4) refere que a prática da avaliação para as aprendizagens pressupõe a delimitação do contexto de sala de aula apropriado e que “tal contexto deve garantir: i) uma certa cultura do erro, ii) a apropriação de critérios de avaliação; e iii) o recurso a tarefas ricas e desafiantes”.
O processo de ensino e aprendizagem organizado por tarefas de aprendizagem é uma abordagem pedagógica que prioriza a construção do conhecimento através da realização de atividades que envolvam ativamente os alunos e que lhes possibilitem a construção de aprendizagens significativas. Por isso, as tarefas devem ser relevantes, interativas e significativas, envolvendo os alunos na apropriação e na utilização dos conhecimentos e das capacidades de forma contextualizada (Cid & Fialho, 2013; Souza & Amante, 2021). Para cada tarefa de aprendizagem têm de ser definidos e compreendidos pelos alunos os critérios de avaliação, o que lhes permite planificar, realizar e avaliar essas tarefas (Fernandes, 2022; Ferreira & Folgado, 2023). Tais critérios são “proposições descritivas que dão informações sobre qualidades, características, de uma tarefa específica” (Pinto, 2019, p. 31), indicando, por isso, os desempenhos que os alunos têm de ter nas referidas tarefas para que as cumpram com sucesso. Como afirma Santos (2020, p. 4), só quando estes são “efetivamente apropriados pelos alunos poderão ajudá-los a perceber o que o professor valoriza e o que espera que façam, e a orientá-los para o que devem fazer para lá chegar”. Com os critérios de avaliação, o aluno monitoriza seu desempenho na tarefa e autorregula sua aprendizagem (Fialho, 2021).
Durante a realização das tarefas pelos alunos, o professor tem de observar e diagnosticar as aprendizagens que eles estão a fazer e as dificuldades ou erros cometidos. Para isso, o professor e o aluno envolvem-se num diálogo reflexivo que possibilita ao aluno tomar consciência do seu estado de aprendizagem e decidir com o professor o caminho a seguir para ultrapassar suas dificuldades ou corrigir seus erros, realizando a aprendizagem que precisa (Ferreira, 2020; Santos, 2020).
Os professores e os alunos devem assumir uma postura interativa de comunicação no processo pedagógico, pois o feedback é imprescindível na estratégia de regulação, por informar o aluno na ação que desenvolve para melhorar desempenhos (Fernandes, 2022; Ferreira, 2020; Santos, 2016). O feedback está intimamente relacionado com os critérios de avaliação das tarefas, podendo, assim, indicar ao aluno o que está bem, o que precisa ser melhorado e como o poderá fazer (Ferreira, 2020; Fernandes, 2022; Santos, 2020). Através do feedback dado pelo professor ou por um colega, o aluno estabelece um diálogo interno com a informação que recebeu e interpreta-a, atribuindo-lhe significado, pelo que “só nesse momento existe a possibilidade do feedback contribuir para a aprendizagem” (Santos et al., 2024, p. 2).
Na verificação contínua das aprendizagens que os alunos vão realizando e das dificuldades que vão tendo durante esse processo, o discente deve desempenhar um papel ativo, concretizado pela autoavaliação regulada de sua aprendizagem (Ferreira, 2020). Para Fernandes (2022, p. 54), nessa autoavaliação “o que cada aluno faz é utilizar os critérios que previamente se definiram para avaliar a qualidade do seu próprio trabalho e, desta forma, desenvolve ações tendo em vista a reorientação e/ou regulação das suas aprendizagens”. Destaca, por isso, a importância de não se confundir a autoavaliação com a autoclassificação (atribuição de uma nota a si próprio), porque a autoavaliação “na sua essência é um criterioso processo de reflexão e análise que os alunos empreendem acerca das suas próprias aprendizagens e não um mero instrumento ou algoritmo para gerar uma nota” (Fernandes, 2022, p. 55).
Através da autoavaliação os alunos refletem sobre a qualidade de seu trabalho a partir dos critérios de avaliação (Simão, 2005), visando, assim, a atingir objetivos de aprendizagem previamente estabelecidos. Para tal “os alunos têm que ser ensinados a realizá-la adequadamente e os professores têm de estar disponíveis para partilharem o seu poder para avaliar” (Fernandes, 2022, p. 56). A autoavaliação desempenha um papel privilegiado na regulação, em virtude de esta ser implementada pelo próprio aluno.
A avaliação pelos pares refere-se à prática de avaliação das aprendizagens dos alunos pelos seus pares, a qual é feita pela comparação com os critérios de avaliação estabelecidos (Souza & Amante, 2021). Segundo Fernandes (2022, p. 57), os alunos “desenvolvem competências de elevado nível cognitivo . . . envolvem-se num processo de aprendizagem em que têm que criticar e distribuir feedback ao trabalho dos seus colegas”. O autor menciona que a avaliação por pares pode contribuir para: motivar os alunos a se envolverem mais profundamente nos assuntos que estão aprendendo; melhorar as aprendizagens através da discussão de ideias, da distribuição de feedback e da troca de conhecimentos; tornar os alunos mais autónomos e responsáveis pelo desenvolvimento e pela gestão de suas próprias aprendizagens; e distribuir feedback a partir da análise do trabalho dos colegas, contribuindo para que regulem suas aprendizagens.
OPÇÕES METODOLÓGICAS DA INVESTIGAÇÃO
As práticas avaliativas devem influenciar positivamente as dinâmicas de ação pedagógica para o desenvolvimento de aprendizagens. Foi com esse sentido que consideramos pertinente compreender as conceções de professores do 6º ano de escolaridade português sobre as práticas de avaliação das e para as aprendizagens. Foi então que definimos as seguintes questões de investigação: quais as conceções de professores do 6º ano de escolaridade sobre a avaliação das e para as aprendizagens dos alunos? Que caraterísticas das práticas de avaliação das e para as aprendizagens são referidas por esses professores? Assumimos como objetivos a serem cumpridos na investigação os seguintes: entender as conceções de professores do 6º ano de escolaridade português sobre os conceitos de avaliação das e para as aprendizagens; e compreender as conceções de professores do 6º ano de escolaridade sobre a prática da avaliação das e para as aprendizagens dos alunos.
Para dar resposta a essas questões, pareceu-nos adequada a utilização de uma metodologia de investigação qualitativa, concretizada pelo estudo exploratório de caso (Morgado, 2012). A recolha de dados fez-se através da realização de nove entrevistas semiestruturadas a professores das diferentes disciplinas de uma turma do 6º ano de escolaridade de um Agrupamento de Escolas do Norte de Portugal, isto é, a professores de português, de inglês, de história e geografia de Portugal, de ciências naturais, de matemática, de educação visual e tecnológica, de tecnologias da informação e comunicação, de educação musical e de educação visual.
Depois de realizadas as entrevistas, elas foram transcritas de forma fiel aos discursos proferidos pelos professores e procedeu-se à análise de conteúdo (Bardin, 1995). Foi feita a leitura flutuante dos discursos dos professores e a categorização das unidades de registo dela decorrente foi emergente, na medida em que, seguindo um procedimento aberto e de natureza indutiva, se “caminha dos dados empíricos para a formulação de uma classificação que se lhes adeque” (Esteves, 2006, p. 110). Dessa análise de conteúdo com um procedimento aberto, emergiram as seguintes categorias e subcategorias: 1) percepções sobre o conceito de avaliação das aprendizagens; 2) percepções sobre o conceito de avaliação para as aprendizagens; 3) finalidades da prática da avaliação das aprendizagens; 4) finalidades da prática da avaliação para as aprendizagens; 5) percepções sobre as caraterísticas da prática da avaliação das aprendizagens; e 6) percepções sobre as caraterísticas da prática da avaliação para as aprendizagens, com as seguintes subcategorias: percepções de feedback aos alunos; contributo da autoavaliação; contributo da avaliação pelos pares; e intervenção pedagógica nas dificuldades/erros.
AS PERCEPÇÕES DE PROFESSORES DO 6º ANO DE ESCOLARIDADE SOBRE A AVALIAÇÃO DAS E PARA AS APRENDIZAGENS
Apresentamos e discutimos a seguir os resultados do estudo por categorias resultantes da análise de conteúdo efetuada dos protocolos das entrevistas.
Percepções sobre o conceito de avaliação das aprendizagens
A avaliação das aprendizagens está, tradicionalmente, associada à avaliação sumativa e, por isso, ocorre no final do processo de ensino e de aprendizagem para medir e classificar os resultados conseguidos pelos alunos (Ferreira, 2007; Fernandes, 2022). Quando questionados sobre o conceito de avaliação das aprendizagens, os professores convergiram em afirmar que se tratava de avaliar as aprendizagens já realizadas:
Eu penso que será avaliar aquilo que os alunos aprenderam. (Prof. CN).
Avaliação das aprendizagens é o professor tentar perceber, percecionar que aprendizagens da disciplina é que foram consolidadas. (Prof. EF).
Fazer um ponto da situação de forma a que possamos perceber se os alunos entenderam aquele assunto ou não. (Prof. PT).
Com esses discursos depreende-se que os professores percepcionaram a avaliação das aprendizagens dos alunos, como aquela que ocorre no final do processo de ensino e de aprendizagem em cada disciplina para verificar o que eles aprenderam e que são capazes de fazer (Cosme et al., 2020; Fernandes, 2019), isto é, “avaliar para sintetizar a aprendizagem” (Santos, 2016, p. 640). Já outro professor disse o seguinte:
Para mim, avaliar é encaminhar. É ver, aferir como é que a coisinha está e depois levar o aluno para aquilo que eu acho que ele tem que atingir, as tais metas de aprendizagem. Para mim avaliar não é bem classificar. Classificar para mim é outra coisa. (Prof. EV).
Esse professor distancia-se dos anteriores por não associar a avaliação das aprendizagens à classificação, pois, como indica Fernandes (2019), os dados que a avaliação das aprendizagens proporciona podem ou não ser mobilizados para classificar alunos. No discurso equaciona-se a ideia de que avaliar e classificar são coisas distintas (Fernandes, 2008). O facto de nos primeiros discursos se confundir avaliação com classificação “é um dos equívocos que mais tem contribuído para que a avaliação seja desviada do seu principal propósito: ajudar os alunos e os professores a aprender e a ensinar melhor” (Fernandes, 2020, p. 26). É nesse sentido que o professor de educação visual menciona que a avaliação serve para verificar o que o aluno aprendeu e para desencadear processos regulatórios da aprendizagem. Desse modo, a avaliação de resultados pode assumir uma dimensão formativa se ela conduzir ao feedback e à regulação ou à autorregulação das aprendizagens pelos alunos (Fernandes, 2022).
Percepções sobre o conceito de avaliação para as aprendizagens
A avaliação para as aprendizagens é de natureza formativa e formadora do aluno, na medida em que, ao estar integrada no processo de ensino e de aprendizagem e ao ser participada pelo aluno, visa à regulação das aprendizagens e do próprio ensino (Ferreira & Folgado, 2023; Trevisan, 2024), criando condições para os alunos aprenderem mais e melhor (Sanmartí, 2007).
Sobre o conceito de avaliação para as aprendizagens, os professores revelaram uma abordagem multifacetada:
. . . talvez avaliar a maneira como eles vão aprender. Tentar fazer uma avaliação daquilo que . . ., de como se vai fazer para que os alunos aprendam. (Prof. CN).
Eu penso que será uma avaliação direcionada mais propriamente para o que eles estarão a aprender. (Prof. ING).
A avaliação para as aprendizagens, lá está, é a tal avaliação formativa que nós temos que fazer diariamente para o aluno ir percebendo onde é que estão as falhas, o que é que tem que melhorar, o que é que tem que observar. (Prof. EV).
Destaca-se, nos discursos, que a avaliação para as aprendizagens é de natureza formativa e ocorre durante o processo de aprendizagem com a finalidade de acompanhar e de regular esse processo, para que os alunos melhorem suas aprendizagens (Fernandes, 2022; Ferreira & Folgado, 2023). Estando integrada nos processos de ensino e de aprendizagem, ajuda o professor a adequar as estratégias de ensino e o aluno a aprender mais e melhor, porque é feita a regulação contínua desse processo (Fernandes, 2022; Neves & Ferreira, 2015; Santos, 2017). A ideia de que a avaliação para as aprendizagens visa também à regulação do próprio ensino é visível nos discursos seguintes:
Então vamos avaliar para - e talvez reformular o conteúdo - para que os alunos possam adquiri-lo de uma outra forma, adquiri-lo melhor. (Prof. PORT).
A nossa reflexão sobre aquilo que fazemos para que os miúdos consigam aprender? (Prof. HGP).
Será a reflexão que eu faço da forma que estou a transmitir as coisas. (Prof. MAT).
Apesar de os professores associarem a avaliação para as aprendizagens a processos de verificação contínua das aprendizagens que os alunos fazem e das suas dificuldades ou erros para a regulação dos processos de aprendizagem e de ensino, não fizeram alusão aos critérios de avaliação, que são fundamentais para essa avaliação e para a regulação dos processos. A ausência dos critérios de avaliação nos discursos dos professores pode indiciar a sua dificuldade conceptual e prática, porque os professores não têm por hábito explicitar aqueles relacionados com as tarefas de aprendizagem (Pinto, 2019). No entanto, Fernandes (2022), Ferreira e Folgado (2023), Pinto (2019) e Trevisan (2024) referem que, para a realização da avaliação reguladora, são imprescindíveis os critérios de avaliação, já que indicam os aspetos que as tarefas têm de assumir para que sejam bem-sucedidas pelos alunos.
De igual forma, não fazem referência à participação dos alunos nesses processos, parecendo ser ainda tarefas da responsabilidade única do professor. Ora, a avaliação para as aprendizagens implica que o aluno participe na avaliação e na autorregulação das suas aprendizagens por meio da interiorização dos critérios de avaliação e da obtenção de feedback descritivo das aprendizagens feitas, do que precisa melhorar na aprendizagem e de como o fazer (Fernandes, 2022; Ferreira & Folgado, 2023; Fialho, 2021; Pinto, 2019).
Finalidades da prática da avaliação das aprendizagens
Associando os professores e a avaliação das aprendizagens aos resultados dos alunos e à sua classificação, também relacionaram a finalidade dessa avaliação à medição e à classificação desses resultados e à certificação das aprendizagens feitas (Cosme et al., 2020; Santos, 2016), como se pode verificar nos discursos que se transcrevem:
Vou dizer aquilo que não se deve dizer, que agora é errado dizer, que é: é para classificar. Só que eu sei, depois, o que está por trás desta questão da classificação. (Prof. EF).
É assim: a avaliação das aprendizagens... Na escola nós temos que classificar, não vale a pena, não é? Pronto. Tem que ser. (Prof. EVT).
Eu, para mim, pronto, o processo está desta forma, é preciso quantificar e é preciso mesmo distinguir, não é? (Prof. EVT).
A importância é assim: a importância, nós realmente vivemos numa sociedade que obedece a critérios, não é? Há uma hierarquia. (Prof. TIC).
Já para os seguintes professores a finalidade da avaliação das aprendizagens é fazer um ponto de situação num dado momento do processo de ensino e de aprendizagem, tendo por propósito “descrever e dar conta do que o aluno aprendeu e é capaz de fazer num certo momento” (Santos, 2016, p. 640):
Para eu estar atento e estar mais... ter dados concretos, no fundo, do desenvolvimento dos miúdos e do nível em que se encontram. (Prof. EM).
Com a finalidade de aferir o nível de conhecimentos que os alunos têm neste momento. (Prof. MAT).
Assim, a avaliação do aluno é vista como um processo de tomada de decisão curricular, no qual dados concretos são avaliados em relação a um padrão ideal (Pacheco, 2012).
Finalidades da prática da avaliação para as aprendizagens
Sendo a avaliação para as aprendizagens uma avaliação formativa participada pelo aluno e que visa a promover nele mais e melhores aprendizagens, os professores percecionaram as finalidades da sua prática da seguinte forma:
Lá está, pronto: estas metodologias de trabalho em contexto de sala de aula ajudam a perceber o que é que o aluno já sabe, para onde é que tem que ir, a questão de estar sempre a observar, dar os feedbacks ao aluno, e estar sempre a dizer: olha, vai por aqui, vai por ali. (Prof. EVT).
A avaliação formativa diária permite-me estar sempre a reajustar o meu ensino. Se eu estou a ensinar um conteúdo de uma determinada complexidade, mas se a avaliação formativa me diz que aquilo é complexo demais, eu vou ter que reajustar. (Prof. EF).
É os miúdos tentarem ver o que está errado, tentarem ultrapassar as dificuldades, melhorando, de forma a aperceberem-se, com a ajuda do professor, de que forma é que podem melhorar, voltar a redefinir ao seu método de estudo, ver o que é que falhou. (Prof. EM).
Percebe-se, por esses discursos, que a avaliação para as aprendizagens é contínua e integrada no ensino e na aprendizagem, com as finalidades de possibilitar o acompanhamento dos processos de aprendizagem dos alunos, de lhes dar feedback sobre eles e de regular as suas aprendizagens, mas também do próprio ensino, de modo a adequar-se continuamente às necessidades dos diferentes alunos (Cid & Fialho, 2013; Fernandes, 2022; Ferreira & Folgado, 2023).
Sobre a regulação das aprendizagens dos alunos, o professor de português mencionou a utilização de estratégias de remediação (Allal, 2007), como a repetição da matéria dada: “Isso, se calhar, fazemos todos os dias no fim de uma aula, por exemplo, quando perguntamos a um aluno, aos alunos no geral, se entenderam. Ou lhes pedimos para recapitularem o que aprendemos” (Prof. PORT).
O discurso acima vai ao encontro de uma perspetiva de regulação retroativa (Allal, 2007), com o pressuposto de um modelo de ensino individualizado como o da pedagogia de mestria, uma vez que se defendia “a utilização de atividades de remediação/correção como meios de individualização do ensino” (Ferreira, 2007, p. 67). Por isso, esse discurso evidencia uma avaliação que não é participada pelo aluno e nem na regulação do seu processo de aprendizagem.
Verifica-se que a conceção dos professores sobre a finalidade da prática da avaliação para as aprendizagens ainda está distante daquela que serve para o professor regular o ensino e que, para o aluno, serve como uma oportunidade de autorregulação, a partir da reflexão possibilitada pelo feedback e pela sua autoavaliação sobre o que precisa melhorar na sua aprendizagem e como o fazer (Fernandes, 2019; Pinto, 2019; Santos, 2016).
Percepções sobre a prática da avaliação para as aprendizagens
A prática da avaliação para as aprendizagens, que tem como objetivo que os alunos aprendam mais e melhor, implica que o processo de ensino e de aprendizagem esteja estruturado por tarefas, para as quais estão definidos critérios de avaliação e que são do conhecimento dos alunos e com os quais professor e alunos avaliam a realização dessas tarefas (Cid & Fialho, 2013; Fernandes, 2022; Ferreira & Folgado, 2023). A partir dessa avaliação contínua é dado feedback aos alunos sobre o que precisam melhorar na aprendizagem e como o poderão fazer, de modo a autorregularem suas aprendizagens (Machado, 2021; Pinto, 2019).
Daí que, a seguir, apresentemos as percepções dos entrevistados sobre o feedback dado aos alunos, sobre a autoavaliação regulada, o contributo da avaliação pelos pares e a intervenção pedagógica nas dificuldades de aprendizagem/erros.
Percepções sobre feedback aos alunos
Quando questionados sobre o que entendiam por feedback aos alunos, os professores entrevistados responderam do seguinte modo:
O feedback de reforço é, no fundo, eu dar um feedback ao aluno para ele perceber que fez bem. “Ok. Isso. Exatamente. Muito bem”. E depois há o feedback corretivo: “Olha, fizeste assim, mas devias ter feito isto ou feito aquilo”. (Prof. EF).
Então, é comunicar os alunos, o que é que esteve bem, onde esteve mesmo bem, o que é que errou, o que é que deve melhorar, a forma como deve melhorar. (Prof. EM).
O feedback é dar a entender ao aluno o que é que ele já fez e que está bem, aquilo que ele pode melhorar e ir crescendo nesse sentido, para ele consolidar as suas aprendizagens e ir crescendo. (Prof. EVT).
Os discursos desses professores evidenciaram o feedback como a informação dada pelo professor ao aluno, em tempo útil, sobre as aprendizagens que estão a fazer, sobre os erros e as dificuldades e sobre como os superar, o que vai ao encontro do que defendem Ferreira e Folgado (2023), Machado (2021) e Santos (2016), quando mencionam que o feedback, ao ter como referentes os critérios de avaliação das tarefas de aprendizagem, é imprescindível para a regulação ou para a autorregulação das aprendizagens pelos próprios alunos, comprometendo-os mais com a sua aprendizagem e tornando-os mais responsáveis e autónomos.
Contudo, ficou claro nos discursos dos professores de inglês e de português que os alunos, frequentemente, associam o feedback à nota obtida, confundindo-o, assim, com a classificação:
Bem. O que eles olham muitas vezes, feedback, é a nota que está lá. O que é que está lá?, Quanto é que eu tive? - que é o que eles dizem, um número. Se bem que não quer dizer nada, também se formos a ver. (Prof. ING).
Quando são testes escritos, a nota que aparece lá atribuída. (Prof. PORT).
Os discursos enquadram-se no feedback avaliativo, na medida em que, de acordo com Neves e Ferreira (2015), os alunos recebem apenas uma classificação que nada indica sobre as aprendizagens feitas, sobre o que precisam melhorar e como o fazer. Assim, desvirtua-se o conceito de feedback, confundindo-o com a classificação (Fernandes, 2022; Ferreira, 2020; Santos, 2016), o qual nada contribui para a regulação ou para a autorregulação das aprendizagens pelos alunos.
Por sua vez, o professor de português também confundiu o feedback com o diagnóstico das dificuldades de aprendizagem e com a intervenção pedagógica pela repetição dos conteúdos em que os alunos demonstram dificuldades, numa lógica de regulação retroativa da aprendizagem (Allal, 2007): “Na avaliação oral, se ele não entendeu, tentar explicar-lhe de novo a parte que ele não entendeu, ou então pedir-lhe que ele explique qual foi a parte que ele não entendeu para que possamos explicar novamente” (Prof. PORT).
Desconhecendo o conceito de feedback e não sendo descritivo das aprendizagens feitas, do que os alunos têm de melhorar e de como o podem fazer, o feedback é confundido com o diagnóstico das dificuldades e com a intervenção pedagógica pela repetição, alheando o aluno desse processo, na medida em que é impossibilitado de autoavaliar e de autorregular a sua aprendizagem (Fernandes, 2022; Souza & Amante, 2021).
Contributo da autoavaliação
Na prática da avaliação para as aprendizagens, o aluno participa na sua avaliação, por meio da autoavaliação enquanto reflexão sobre seu processo de aprendizagem pela comparação com os critérios de avaliação interiorizados. Tendo consciência do que conseguiu aprender e do que precisa melhorar no seu desempenho, o aluno pode autorregular sua aprendizagem (Fernandes, 2022; Santos, 2016). Essa autoavaliação, no contexto da avaliação para as aprendizagens, foi percepcionada pelos professores de distintas formas:
É assim: para mim não tem influência nenhuma porque a autoavaliação deles é uma consciência que eles têm que ter, mas não me vai influenciar na minha avaliação. Se calhar vai, tomando eles consciência do que está a acontecer e puderem melhorar no próximo período. (Prof. CN).
Se eles não sabem fazer a autoavaliação, lá está: é porque nós não os trabalhámos suficientemente para que eles a saibam fazer. Acho que é um mea culpa para todos (Prof. MAT).
Se, por um lado, o discurso do professor de ciências naturais desvaloriza a autoavaliação dos alunos ao indicar que em nada influencia sua avaliação, embora lhes possibilite, posteriormente, melhorar a aprendizagem, por outro, o professor de matemática valoriza-a, apesar de dizer que os alunos não a sabem fazer. Este professor reconhece que a autoavaliação constitui uma aprendizagem que não é trabalhada pelos professores. De facto, a prática da autoavaliação do aluno pressupõe que seja contínua, realizada a partir de critérios de avaliação do conhecimento dos alunos e de competências metacognitivas que lhes permitissem refletir de forma distanciada sobre o que estão a fazer e o que e como melhorar a aprendizagem (Fernandes, 2022; Santos, 2016; Simão, 2005).
Por não constituir uma prática usual, o professor de matemática e o de educação musical mencionam o desconhecimento pelos alunos do processo de autoavaliação, como se pode ver nos discursos que se seguem:
Agora, na prática, pelo menos no nosso nível de ensino, que eles são tão pequeninos, eles não têm nem noção do que é a autoavaliação. (Prof. MAT).
Não valorizam realmente. Não sabem avaliar a autoavaliação. Agora, os pais, ainda é mais grave, porque a maior parte deles nem sabem o percurso escolar, não conhecem os filhos. (Prof. EM).
O desconhecimento dos alunos sobre processos de autoavaliação, a ausência de competências metacognitivas para realizá-la e a ausência de sua prática quotidiana indicam que, na perspectiva dos professores, os alunos não participam dessa forma na avaliação das suas aprendizagens. Contudo, o envolvimento dos alunos na avaliação é uma condição para aprenderem mais e melhor, pelo que “compete aos professores criar as condições necessárias para esta responsabilização, quer através do planeamento de tarefas de ensino e aprendizagem que integrem diferentes modalidades de avaliação, designadamente a autoavaliação e a coavaliação” (Fialho, 2021, pp. 10-11). Só assim se tornam alunos conscientes de seus processos de aprendizagem, comprometidos, responsáveis e autónomos nas aprendizagens.
Contributo da avaliação pelos pares
Sobre a importância da avaliação pelos pares, os professores verbalizaram o seguinte: “Numa forma geral, acho que conseguem. Eles têm a percepção do valor dos seus colegas”. (Prof. EM).
E então, enquanto pares, igual. Porque ou há uma quezília com este ou com aquele e só porque eu não gosto dele, já acho que ele merece um 2, sem terem noção do trabalho que o miúdo desempenha, que o colega desempenha. (Prof. MAT).
Nesse contexto, parece que a avaliação pelos pares é discutível e contraditória. Por um lado, surge a percepção de justiça, que, de uma maneira geral, os alunos têm uma percepção do valor e desempenho dos seus colegas. Por outro lado, destaca-se o facto de os alunos não saberem avaliar seus pares em função de esta atividade não fazer parte do quotidiano das práticas avaliativas. Os resultados da utilização sistemática da avaliação interpares mostram melhorias ao nível da motivação, da reflexão e da interação para as aprendizagens (Fernandes, 2022). Mas para que os alunos realizem esse tipo de avaliação e melhorem sua aprendizagem têm de compreender os critérios que são utilizados e os seus descritores de desempenho, e esta tem de ser uma prática intencional, contínua e sistemática, não sendo só realizada no final de período de ensino e de aprendizagem.
Para outros professores a avaliação pelos pares é vista como uma tarefa realizada após a autoavaliação, indicando que os alunos, ao aprenderem a avaliar a si mesmos, podem desenvolver a capacidade de avaliar corretamente os outros, sem influências pessoais:
É para eles se entreajudarem. A entreajuda, a questão do trabalho de equipa. É que eles, muitas vezes, o que acontece com alguns dos meus alunos é que têm dificuldades, então, tentam... (Prof. PORT).
Primeiro vão saber o que é autoavaliar e quando eles têm a capacidade, de uma forma correta (não é pelas amizades), fazer a heteroavaliação, avaliar o outro, significa que eles conhecem processo. (Prof. EF).
A avaliação pelos pares é um processo em que os alunos têm a possibilidade de avaliar e aprender de um modo colaborativo com os seus pares e com os professores, com consequências da autorregulação e na melhoria das suas aprendizagens.
Intervenção pedagógica nas dificuldades/erros
Quando questionados sobre a importância da exploração dos erros e das suas causas, um professor alegou a dificuldade em ser feita pelo facto de as turmas serem grandes:
É complicado porque nós temos 20 alunos numa sala, não é? Eu não posso parar uma aula - pelo menos não devo, digo eu - não devo parar a aula ou prejudicar 18 alunos para canalizar esse aluno que tem muitas dificuldades. (Prof. EM).
Esse discurso é revelador da resistência à implementação da prática da avaliação para as aprendizagens (Fialho, 2021). Analisando diversos estudos, Santos (2017, p. 53) refere que eles mostram que os contributos da avaliação para as aprendizagens “são maiores do que os resultantes da redução do número de alunos por turma”. De facto, os professores escudam-se em fatores contextuais para não se aventurarem na mudança de conceções e de práticas na avaliação dos alunos.
Outros professores referiram que são utilizadas tecnologias, trabalhos em grupo, mentorias, agrupar alunos por níveis de aprendizagem e diversificar tarefas:
Uso muito a Escola Virtual porque eles têm vídeos muito apelativos para ver se eles, pelo menos, se entusiasmam, porque a maior parte deles é mesmo falta de motivação. (Prof. CN).
Trabalhos de equipa entre eles, e os tais programas de mentoria que eu penso que será um programa inovador. Digamos inovador formalizado, porque sempre houve miúdos que se ajudaram uns aos outros e deveria ser mais falado. (Prof. ING).
Pronto, é assim: eu quando posso pôr os alunos a trabalhar uns com os outros, eu ponho. (Prof. EVT).
Trabalhos de grupo também é importante. Isso entre turma, não é? (Prof. HGP).
Separo-os por níveis de desempenho e faço um trabalho diferenciado de acordo com o nível de desempenho deles. Se houver uma menina que até tenha jeito, joga com os rapazes. Mas não joga por ser menino ou menina - é pelo nível do desempenho. (Prof. EF).
Tentar diversificar mais tarefas, tentar aprofundar mais, dar-lhes tarefas para esses alunos que já... Dar-lhes tarefas um pouco mais difíceis, com... (Prof. PORT).
Os discursos acima fazem alusão à utilização de estratégias de colaboração dos alunos para a superação de erros ou de dificuldades, quer seja pela criação de grupos de nível, quer através de trabalho em grupos, pela mentoria, entre outros. Nesse contexto, Cosme et al. (2020) afirmam que as possibilidades de trabalho com metodologias ativas são múltiplas, nomeadamente a da aprendizagem cooperativa dos alunos, que, na perspetiva de Cid e Fialho (2013), motiva os alunos, cria coesão social, personaliza a aprendizagem e desenvolve a capacidade crítica dos alunos. Tal possibilidade liberta o professor para o trabalho mais específico com os alunos com mais dificuldades e possibilita aos restantes aprenderem e regularem as aprendizagens de todos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conceito e a prática da avaliação são compreendidos, teoricamente, numa perspetiva de os alunos aprenderem mais e melhor, distanciando-se da avaliação como classificação, sobretudo se desta não resultarem o feedback aos alunos e a regulação do processo de ensino e de aprendizagem. Foi nesse sentido que, por meio da entrevista semiestruturada, procuramos compreender as percepções de professores do 6º ano de escolaridade português sobre a avaliação das e para as aprendizagens dos alunos.
Os resultados obtidos permitiram verificar uma dicotomia nas percepções desses professores entre a avaliação das e para as aprendizagens. A primeira foi associada à avaliação sumativa, com finalidade da medição e da classificação de resultados de aprendizagem dos alunos, permitindo tomar decisões de hierarquização dos alunos e de certificação de suas aprendizagens em função das classificações obtidas em testes ou em provas de natureza externa. Por isso, não foi evidenciado que desta avaliação pudessem resultar o feedback aos alunos e a regulação de suas aprendizagens, ajudando-os a aprender mais e melhor.
Por sua vez, a avaliação para as aprendizagens foi entendida numa lógica formativa e, por isso, realizada continuamente durante o processo de ensino e de aprendizagem, mas sem que fossem mencionados os critérios de avaliação das tarefas de aprendizagem. Os professores não os mencionaram por falta de clarificação conceptual e por não ser uma prática usual a informação dos alunos sobre os critérios de avaliação das tarefas de aprendizagem. O desconhecimento dos alunos dos critérios de avaliação impossibilitava o envolvimento deles na avaliação e na regulação de suas aprendizagens, por meio da autoavaliação e da autorregulação. Segundo os professores, os alunos não faziam a autoavaliação porque não a sabiam realizar, e o feedback dado pelos professores, não sendo descritivo das aprendizagens feitas - do que precisavam melhorar na aprendizagem e de como o poderiam fazer -, impossibilitava a autorregulação das aprendizagens.
Conclui-se, por isso, que os professores têm dificuldades conceptuais e de implementação nas práticas avaliativas dos critérios de avaliação das tarefas de aprendizagem, do feedback descritivo das aprendizagens feitas pelos alunos, do que precisam melhorar e de como o fazer, da avaliação pelos pares e de estratégias de regulação interativas ou de autorregulação das aprendizagens dos alunos. Desse modo, é necessário um maior investimento na formação dos professores em avaliação das e para as aprendizagens, formação que deverá estar contextualizada nas suas práticas avaliativas e ser por eles participada, possibilitando, assim, alterações em suas conceções e em suas práticas de avaliação das aprendizagens.